terça-feira, fevereiro 10, 2009

Esta vida de professor-soldado...

As recaídas têm uma coisa boa... é sinal de que já estivemos de pé e que, provavelmente, mais cedo ou mais tarde, voltaremos a estar... e que um dia volta de novo a ser Verão.
Trabalhar em más condições, com frio, com um público doce oferecendo uma variedade rica de micróbios, propicia esta fértil troca. Eu dou os meus e recebo todos os que me oferecem quando se penduram, se aproximam, tossem descontrolados, espirram sem cuidados, roubam um beijinho.
Hoje foi dia de lhes levar uns quantos meus para partilhar, já que no fim-de-semana tudo regressou à estaca zero. Pior... abaixo da última estaca zero (em jeitinho negativo).
Janeiro e Fevereiro não estão a ser fáceis.
Faltas por doença? Nenhuma. Brincar com o fogo na convicção de que tudo se aguenta e que faltar é que não (tanta coisa importante para fazer, eles precisam de mim), embora hoje a última aula tenha sido algo penosa, e tenha conseguido apenas à justa umas forças roubadas de não sei que cartola para aguentar com sorrisos, imaginação e ajudá-los, apesar de tudo, com exigência e paciência, na resolução de problemas em torno das áreas... Precisam tanto! Podemos usar máquina calculadora? (Contas tontas do mais simples que pode haver). Não!! Mas na prova podemos... Mas aqui não, ou adormecem de vez os ticos e os tecos! Não! Não! Não! Cofff Cofff Atchim... bomba para abrir os alvéolos...

Depois da primeira aula... intervalo... será que hoje consigo? Não.
A M. vem ter comigo e diz que tem uma coisa muito preocupante para me dizer com aquele seu ar docinho e pequenino, frágil também, fazendo um grande suspense antes de falar: estou a perder o interesse por tudo... pelas disciplinas... escola... não sei o que se passa... já disse à mãe...
Pára tudo. Preciso de intervalo para quê?
Conversámos muito. Algumas amigas aproximaram-se. Pensámos estratégias.
Crescer não é fácil. A vida torna-se complicada e nem todos estamos preparados para lidar com os desafios. As dificuldades acumulam-se. Cresce a falta de confiança. A tristeza. O "não sou capaz" à flor da boca. Terei de estar muito atenta. Terei de falar à DT.
Esta aluna tem explicações a semana toda. A vida está densa. Respira quando?
Não sei se encontrei as palavras certas para já... mas prometo ficar de olho em ti...

Depois... já que esta semana não pode haver Clube (semana do cinema francês ocupando a sala, porque as escolas são isto mesmo, ou uma coisa ou outra, sem espaço para serem completas), transformámos o tempo em momento de apoio de Matemática. Quem quiser venha comigo para a Biblioteca... Muitos. Sentadinhos bem apertadinhos de volta de recuperações, desenvolvimentos e deambulações matemáticas. Risos também. A C. pela primeira vez a resolver expressões numéricas sem dificuldade (sorrisos enormes a cada certo cor-de-rosa no caderno), o D. a vencer as dificuldades... explicando algo a uma colega que... tem ainda mais dificuldades do que ele (deliciosos os diálogos). Perto de tocar... perto do intervalo... intervalo?... começam a dizer... já? Já? Oh professora, não... ainda não acabámos... please! Não é a Matemática... é aquela cumplicidade de estarmos assim sentadinhos em mais cadeiras do que tamanho de mesa, a tossir uns para cima dos outros, como se fossemos todos alunos e nem sinal de professor. Gostam desta proximidade. Eu gosto muito e é na relação próxima de respeito, carinho e exigência que tudo de melhor se joga com estas idades. Mais um intervalo gasto com eles por ali a terminar o que faltava e... logo de seguida aula com os mesmos alunos... Matemática - esta minha turminha nova deste ano com tantas histórias difíceis de contar e a precisar tanto, mas tanto de tanta coisa, tantos tão cheios de várias solidões coladas neles sem remédio.

Há tempos, depois de uma aula de Ciências a R deixou-se ficar para o fim em mais um intervalo que não foi: oh professora, a minha mãe pergunta se a professora podia dizer-me uma alimentação para eu crescer mais...
Claro que lhe expliquei as minhas limitações... que essas questões deveriam ser colocadas ao médico de família, a um nutricionista, que ela não era pequena (não é)... que uma alimentação completa era... tal tal... assim e assado... preferência grelhado... e exemplos vastos, várias opções...
Hoje circulava uma caixinha com aperitivos de queijo de uma aluna da mesma turma (o seu lanche de meio da manhã numa latinha que tinha gravada na tampa "Mãe, adoro-te"...). Quando acabámos a aula a R. (da pergunta do outro dia) tinha na mão um pacote de batatas fritas com sabores e foi assim que partiu para a sua hora de almoço (à minha observação respondeu: mas eu não como isto há um mês! Eu ainda retorqui: OK... deixas de fumar um mês e depois voltas porque... há um mês que não fazias o disparate... ?)... saí da sala, confesso, entre o entupido e o desconsolado e ainda dei com vários alunos pela escola com sacos de um novo supermercado que abriu perto: mais aperitivos, refrigerantes, batatas fritas, bolachas cheias de coisa nenhuma...

Esta vida de professor oscila entre as conquistas e as perdas, entre o avançar e o recuar, entre o tudo e o nada. Às vezes, nos dias em que o cansaço grita mais alto, perguntamos porquê. O que nos move nesta tentativa constante, meio desesperada e cada vez mais solitária, de salvar o mundo como se fosse possível à escola fazê-lo completamente sozinha sem a ajuda das famílias, como se fosse possível continuar cada vez mais a esticar a presença das crianças entre muros e a ausência dos pais fora deles em paralelos caminhos desprovidos de sentido?

É ao olhar para a cara de alguns alunos do presente e para a lembrança de muitos outros do passado que a melhor resposta me chega nos dias das dúvidas: para muitos deles, nestas idades, fazemos toda a diferença. Poderemos ser, para os que habitam no lado mais triste da vida, a coisa mais doce que lembrarão da infância.
Sendo uma responsabilidade tremenda, é também a certeza de que servimos uma causa muito maior do que a nossa, do que a das leis que se esquecem que devem servir as pessoas antes de servirem os interesses de alguns. A causa do melhor futuro possível para eles e para nós país, mundo, de volta.

Gosto de estar na frente de combate. Mesmo com tosse. Até com febre.
Sobretudo com uma imensa humildade de quem sabe já alguma coisa, mas ainda anda a aprender o tanto que lhe falta. Sirvo os interesses das pessoas que mais importam dentro de uma escola. Não deveria ser essa a sua suprema missão?

(Galões e honrarias aos generais não ajudam a salvar o futuro...)

11 comentários:

Anónimo disse...

Olá Teresa...sem a conhecer, dá alento a alguém que também ama, de coração esta profissão...alguém para quem a escola e os Alunos são tudo...Senti-me reconfortada, pois por sinal...também estou "em baixo" hoje...obrigada.
Isabel

henrique santos disse...

Os melhores professores devem ter muitos alunos. É no contacto com eles que eles aproveitam esses professores. Devem no entanto ter boas condições de trabalho. Os melhores professores devem ser soldados na frente da batalha. As melhoras 3za.

EMD disse...

Até os vírus, certamente, serão sensíveis a esta declaração de amor incondicional.
Só posso desejar-vos(nos) as melhoras!
Beijos e cuida-te que não há soldados de chumbo.

Anabela Magalhães disse...

Deveria, 3za, melhor, deve.
Mas há quem se esforce por fazer crer o contrário.
As melhoras. :)

IC disse...

3za, este teu texto é lindo, não por ser um texto, mas porque sei que nele és mesmo tu com os teus meninos. Bem hajas!
Mas cuida-te, eles precisam de ti saudável.
As melhoras. Um grande beijinho.

Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada... luto para vencer a semana. É no carinho deles que a energia se arranja. E no vosso. Há momentos onde o colo faz mais falta... :) Obrigada pela vossa presença e palavras doces de alento e encorajamento. :) Abraço grande e beijinhos.

Anónimo disse...

Os professores ainda vão tendo o privilégio de terem esse feedback bom, os alunos, mas quantos outros bons profissionais noutras áreas lutam com o mesmo tipo de dificuldades, arbitrariedades e autismos sem mais nada que não seja a sua convicção de que estão a fazer o melhor que está ao seu alcance, mesmo sendo ainda mais mal-pagos, igualmente não reconhecidos e... etc...

Teresa Martinho Marques disse...

Tem toda a razão...
É só o que posso dizer.
Sem os alunos e esse feedback imediato deve ser insuportável e bem mais difícil conseguir continuar com dignidade a dar o melhor sem qualquer carinho ou reconhecimento...
Gostava que este fosse um mundo diferente...

Luis Neves disse...

Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é “muito” pra ser insignificante.

Charles Chaplin

Li este poema no Blog da Maria, e envio o final. Se quiseres ler o inicio, neste Link http://ocheirodailha.blogspot.com/2008/12/charles-chaplin-eterno.html

E o parecer do blog do Guinote é uma boa ajuda para mudar as coisas.

Raul Martins disse...

O espelho de ti... daquilo que nos habituaste.
.
Carpe diem!

Teresa Martinho Marques disse...

:)...