quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Não há cedo demais, só tarde demais...

Perto do final da unidade dedicada ao sistema reprodutor, aquela de que os alunos dizem... o tempo passa muito depressa e a aula chega ao fim sem se dar por nada, é sempre bom perceber que a oportunidade existiu de fazer todas as perguntas (abertamente em voz alta, ou em papelinho anónimos colocados num voluntário chapéu) e que a sua atitude é de escuta activa.

Impossível falar apenas da biologia. Trata-se de educação sexual (a tal que anda por aí em falta, ao que se diz), de explicar as coisas como elas são, procurando não desligar o tema de um outro tão fundamental como a educação das emoções, do pensar sobre nós enquanto pessoas, do reflectir sobre as questões que mais os preocupam e que podem ser de natureza completamente diversa e surpreendente.

Há uns anos atrás, antes dos morangos e dos beijos aos 11, aos 12 na televisão e nas novelas para adolescentes... os rapazes não achavam graça às raparigas nestas idades, nem as raparigas aos rapazes. O cenário alterou-se profundamente (já lecciono o 6º ano de Ciências há mais de 20 anos e sei bem a diferença) e não vale a pena fingir que tudo está na mesma. Não está.

Não vou tecer juízos de valor. É mais útil constatar e abordar a realidade como ela se nos apresenta em vez de nos lamuriarmos com pensamentos do tipo no meu tempo não era assim, isto agora e tal... a televisão e a internet... eles agora tão cedo... o mundo está perdido...

Nós, adultos, criámos o mundo onde "educamos" as nossas crianças. Os "ses" servem exactamente para... nada. Já não é possível voltar atrás no tempo ao ponto desconhecido em que as coisas foram sendo construídas como agora nos aparecem (em jeitinho de recuperação do sistema, quando a instalação de algo novo não corre bem). O sexo é um pouco (muito) como as TIC... A maioria diz que primeiro ler e escrever e só depois um dia as tecnologias e tal... que antes de tempo só faz mal e tal... Não posso dizer que discorde. Mas de nada me serve concordar ou discordar. A realidade é que toda gente enche as casas de tecnologias variadas e bem cedo as colocam à frente das crianças, embevecendo-se e envaidecendo-se junto de amigos e familiares das capacidades e inteligência tecnológica dos rebentos... aquela coisa de que aos dois e aos três já põem o DVD, desligam o aparelho, brincam com o telemóvel, acendem a televisão, mudam de canal, jogam com as suas pêéssepês e gameboys e afins... e isto e aquilo... sem falar do computador ele próprio presente em tantos lares desde cedo nas mãos de muitos... Os meus alunos (a maioria) nem precisaram de magalhães nenhum (a propósito... ele anda onde? nenhum dos meus alunos que o pediu o tem... e o plano tecnológico parou à porta da escola... diziam que era este ano... agora parece que é só para o ano...)... bem cedo foram apresentados aos computadores e já me chegaram com alguma cultura e... alguns (bastantes) vícios de utilizador apenas consumidor... sobretudo de jogos. Uma colega minha explicou-me como o filho, aos quatro, já estava viciado. Por que não explicar-lhes mais cedo outras coisas que se podem fazer com os computadores permitindo-lhes mais caminhos e mais escolhas? A par dos livros, das actividades não tecnológicas, oferecendo e explorando à sua vista outras possibilidades (quantos pais trocam, à frente dos filhos, o computador ou o comando da televisão por um livro? Einstein dizia que o exemplo não era uma forma de educar... era a única). Fingir que a tecnologia não existe ou ignorá-la não nos levará a lado nenhum. Acreditar que o sexo vai acontecer depois dos 18 também não. Eu não trabalho no pressuposto de uma sociedade que não existe nem é, nem vai voltar a ser. Eu trabalho com crianças reais e tenho de encontrar os caminhos que as podem ajudar agora.

Ora... dizia eu do sexo e das TIC e das semelhanças entre ambos. Exacto. Também me assusta que as crianças contactem cada vez mais cedo com essa realidade (agora estou a falar mesmo de sexo), para a qual não estão emocionalmente nem intelectualmente preparadas, mas... isso não pode depois reduzir-se apenas aos "ses" e à recriminação dos media e a meia dúzia de dicas. Mas também não pode encaminhar-nos para a aceitação acrítica e endeusamento de quem não usou a cabeça. A sociedade (todos nós) é que os empurra e eles deixam-se empurrar para o consumo de ideias, de marcas, de comidas, de bebidas... É urgente desenvolver neles um espírito crítico aguçado e uma capacidade de discernimento para fazerem escolhas adequadas de forma autónoma, sem vigilância. Não é fácil. Sem a família é (quase) impossível.

Não costumo ver programas de TV a falar de jovens que souberam usar a cabeça, os métodos à sua disposição e viveram a sua sexualidade inteligentemente, prosseguindo estudos, construindo histórias de empenho e sucesso. Não são esses os modelos oferecidos com direito a muito tempo de antena. O exemplo pelo oposto oferecido pelos media não funciona bem. De fugida, ao almoço, um entrevistador perguntava a uma mãe de 16 anos o que é que ela achava, se sentia que era complicado (tentando sugerir a resposta e dar um ar pedagógico à coisa)... e ela: ah! Agora já me habituei e até gosto e acho giro ter um filho! Logo ele a rir... pois... não devia ter perguntado...

O que passa na cabeça desta gente? Eu que conheço os miúdos sei o que guardam na cabeça deles: é giro e dá direito a ir à televisão e ter alguns minutos de fama. Cool! Quase tão bom como entrar numa novela famosa nem que seja como figurante.

Só me resta conversar com eles. Conhecê-los. Escutá-los. Saber quem são, como pensam sobre as coisas e ajudá-los neste mundo estranho onde a informação e o desejo se misturam a uma velocidade tecnologicamente e perigosamente descontrolada onde pouco ar têm para respirar e a lei do mais forte, a lei do marketing, esse universo controlado pelos adultos, imperam para modelar as suas cabeças em desenvolvimento. Sermos o país com mais obesidade infantil, com mais tumores nas crianças, com mais insucesso, com mais de coisas "menos" boas devia fazer-nos pensar, famílias e escolas e quem manda nas escolas, sobre o que andamos a fazer com as nossas crianças... As mais recentes medidas retiraram tempo para a formação e diálogo, para um atendimento mais personalizado das crianças à nossa guarda (infelizmente às vezes mais à nossa guarda do que à guarda de certas famílias) e enclausuraram as crianças nas escolas e em salas... Muita quantidade de horas presos a tarefas sem sentido, muitos conteúdos "dados" (poucos aprendidos) registadinhos em muitos impressos como prova, não são sinónimo de qualidade na educação nem de salvação do futuro.

Quando tiro do chapéu das perguntas anónimas "o sexo é bom?", "se uma rapariga ainda não tiver tido o período nunca, pode engravidar?"... feitas aos onze anos... se uma criança gasta mais de duas horas por dia em jogos no computador ou PSP, sei que é preciso gastar tempo a falar destes assuntos todos enlabirintados nas suas mentes e criar oportunidades para fazer coisas diferentes e ajudá-los a encontrar o equilíbrio possível entre as mil solicitações que a vida destes novos tempos lhes faz. Precisam de nós mais do que nunca... Mas a verdade é que nunca estiveram tão sozinhos e entregues a si próprios como agora... a escola, a TV e as restantes tecnologias tomam conta deles e os adultos podem respirar de alívio nesses momentos de sossego.

Não há cedo demais para coisa alguma. Apenas existe um... tarde de mais.

6 comentários:

Luis Neves disse...

Eu acho que há temas que não se devem abordar tão cedo. Acho que o tema da sexualidade deve ser livremente discutido na Escola nomeadamente nas aulas de ciências. Mas não de maneira a transmitir valores ou opções do educador e do professor. Essa área tem que ser da responsabilidade da familia.
Não sei se é um tema a abordar numa disciplina especifica. Se for criada uma disciplina de Educação Sexual terá sempre que ter um carácter opcional como a educação moral e religiosa, porque senão vai colidir com o direito de os pais darem a sua orientação aos filhos sobre os afecto e da sexualidade.
Eu acho que tem de haver uma neutralidade nestes assuntos nas escolas públicas. Ao contrário de por exemplo nos colégios católicos , que podem ter um sistema de valores ligados às tradições.
Ouvi ontem na assembleia da republica alguns deputados a dizerem que se devem destribuir preservativos nas escolas, e fiquei parvo. Não acho que a escola seja um local que seja uma extensão dos serviços de planeamento familiar. Para isso devem existir outras instituições especificas. Em Odivelas há uma casa da juventude da Câmara. E há o Centro de Saúde. Os deputados se quiserem que ofereçam aos filhos deles logo aos 12, 13 ,14 anos, se acham que isso é que é ser um pai responsável e "prevenido".

Luis Neves disse...

Li no Diário de Notícias "Sobre dúvidas e certezas" de Ferreira Fernandes"

"Se Lula tivesse visto o filme Dúvida, de Meryl Streep e Philip Hoffman, teria ficado com um curso sobre a imprudência das certezas
Outro assunto: aquele professor de Música de Gondomar que, ...viu provado o abuso sexual de uma menina e foi condenado a 2 anos com pena suspensa.
A sua advogada admite que ele cometeu mesmo aquele crime, mas ela ao contrário de Lula, não tem certezas , tem dúvidas: Não sabe se vai recorrer.
Para ela ter essa certeza de que aquele homem não pode entrar na escola bastaria talvez que a escola fosse, sei lá, a de uma filha. E para ela ter essa certeza mesmo sem ser aquele o caso, a advogada precisava de conhecer a imprudência de certas dúvidas
Para tal não há curso, nasce-se com isso ou não.

Teresa Martinho Marques disse...

"Mas não de maneira a transmitir valores ou opções do educador e do professor. Essa área tem que ser da responsabilidade da familia."
Concordo! Eu também acho que não é qualquer pessoa que está habilitada a conversar com os alunos sobre estas questões. Tenho sempre um cuidado especial, peço aos alunos que mostrem o manual aos pais, os informem dos conteúdos que vamos trabalhar e converso com alguns pais (sempre que possível)partilhando o momento com eles e os temas das questões. Alguns desses colegas são professores de outras áreas e têm ficado satisfeitos com a abordagem que consideram equilibrada, esclarecedora e adequada. Tenho um imenso cuidado e não respondo a questões que envolvam opções pessoais, emissão de juízos de valor, mas se há dúvidas e questões que poderão um dia pôr em risco a sua saúde ou a sua vida procuro responder com muita seriedade. Não é uma questão simples nem fácil. E se eu fosse mãe, gostaria de saber quem vai falar com o meu filhote vsobre estas questões e estar ao corrente do trabalho desenvolvido. Soluções simples? Não há. Mas é importante avançar quando as dúvidas chegam... Há muito para fazer neste campo. Espero que se encontrem soluções sensatas e favoráveis a quem mais importa: as crianças.
TAmbém não vou aqui emitir juízos de valor sobre as famílias que se demitem (e quem viveu mais de 20 anos numa escola em zona problemática com crianças a engravidar aos 13 e 14 sabe bem do que está a falar) nem sobre uma escola e uma sociedade que não oferecem resposta adequada. Temos muito caminho apra fazer... A família devia ser sem dúvida a grande responsável... como o devia ser pela educação alimentar... a escola deveria apenas complementar, ajudar. É isso que acontece? Não. À escola exige-se tudo (só falta o internato dos alunos... porque como dizes... até extensão de serviços de saúde e planeamento familiar parece poder ser... digo sempre aos alunos que para pormenores e aconselhamento médico, devem dirigir-se um dia aos serviços próprios...)Algures no meio termo deverá existir uma virtude, mas ainda estamos longe dela...
Obrigada pelas tuas palavras e contributo para a reflexão.

Anónimo disse...

Descobri através do Terrear este blogue que passei a ler com alguma frequência. Dava uma sugestão: será possível suavizar a imagem da teia de aranha que serve de fundo? Confesso que é um pouco cansativo para mim ler textos tão interessantes mas com essa imagem de fundo tão carregada.

Teresa Martinho Marques disse...

Excelente sugestão! Já tratei disso. Será que ficou um pouco melhor? Procurei aclarar o mais possível sem perder a imagem. Realmente não tomamos consciência dos obstáculos que às vezes colocamos aos leitores... a não ser quando nos chamam a atenção. E... eu tenho uma tendência para me alongar, o que não facilita a vida a quem tem a paciência de me ler. Obrigada pela sugestão e... por ter essa paciência, mesmo lutando contra um template pouco amigável :)

Anónimo disse...

"Será que ficou um pouco melhor?"

Muito melhor. Obrigado.