sexta-feira, setembro 27, 2013

Dos nenúfares ao estranho Quadradix (oh professora, esse bicho existe mesmo?)

Lembram-se desta história?

Aqui fica a que a complementa, a propósito do problema colocado a essa turma nesse dia e a outra turma logo de seguida (tema: "Nem tudo o que parece é.... ou de como nem sempre devemos confiar nas nossas primeiras e intuitivas respostas a um problema").

O problema original é o seguinte: "sabendo que um nenúfar, num certo lago, duplica a sua área por cada dia que passa e que ao fim de 100 dias cobre finalmente todo o lado, ao fim de quantos dias dois nenúfares cobrem o lago?"

Na primeira turma surgiram questões paralelas - bom sinal! -  por conta da forma do nenúfar e da forma do lago (oh professora, mas se ele é redondo e o lago também tiver assim uma forma estranha, sobram pedacinhos de lago e não fica tudo coberto, pois não?). Pedir que procurem abstrair-se da realidade pura e considerem o nenúfar como tendo, bem como o lago, forma retangular não é fácil nestas idades, sobretudo se os alunos apresentarem dificuldades na disciplina (e este ano defronto-me com duas turmas de 6.º ano que na esmagadora maioria, mais de 80% dos alunos em cada uma, apresentaram "avaliações de diagnóstico" (num teste com questões ao nível do 1.º ciclo e 5.º ano) muito inferiores a 50%... O gosto pela matemática é nenhum e o medo é completo para a grande maioria dos meus alunos este ano.

Na segunda turma apresentei o problema de forma diferente.
Há um bicho estranho que vive num lago. Tanto ele como o lago têm forma retangular. Esse bicharoco aumenta a sua área para o dobro em cada dia... Flutua à superfície e ao fim de 100 dias o seu corpo cobre o lago inteiro. Ora como ele só cresce enquanto o corpo está em contacto com a água, sabem o que acontece quando cobre todo o lago? Não, professora... acontece o quê? Peguei numa folha A4 e mostrei... Imaginem que isto é o bicho que acabou de cobrir o lago... suspense... começo a dobrar ligeiramente a folha ao meio e transformo o bicho em ave com asas e faço-o voar com as minhas mãos fingindo que ele se eleva acima do lago em direção ao teto da sala. Só que, continuo, mal voa, larga um ovinho e tudo começa outra vez. Olhos meio espantados, incrédulos. Um atreve-se: Oh professora, esse bicho existe mesmo? Eu respondo: Nunca ouviram falar? É o Quadradix!... E eles: É mesmo a sério? Insistem. Vou procurar na Internet... Uns desconfiados: Deve ser da imaginação da professora... Procurem na Internet, sim. Se encontrarem, digam-ne como é ele, porque eu nunca vi nenhum! Riem. (Inventei esse nome ali na hora). Mas deixem-me acabar a história. Às vezes, de tempos a tempos, o Quadradix deixa cair dois ovinhos. Cada um fica em cantos opostos e lá começam a crescer no lago. Se um quadradix demora 100 dias a cobrir o lago, dois Quadradix demorarão quantos dias?

Uma das alunas põe o dedo no ar e diz-me: Fiz um Quadradix! Eu sei como eles são! Mostrou-me... esse e outros que tem construído desde que a história surgiu (foto).

Logo de seguida, pergunto qual é a primeira resposta que lhes vem à mente. Dedos no ar. 50 dias é a resposta comum a quem responde. Proponho que pensem bem e tentem representar a situação num esquema. Há uma pergunta que, mais tarde, facilitará o desenlace e permitirá a extensão do problema: O que acontece no dia anterior ao dia (100) em que o Quadradix cobre finalmente todo o lago? Que área ocupa ele do lago nesse dia? Quem descobre a resposta, percebe o que acontece com dois Quadradix... com quatro... e por aí fora.

Nesta turma o desafio ainda não foi concluído...
Não vou responder agora aqui. Aproveitem os leitores para descobrir quantos dias demoram dois Quadradix a cobrir o lago... E se forem quatro?
E para quantos de vocês, que leram aqui a história, o 50 foi o primeiro número a aparecer como resposta?
Pois... Nem sempre o que parece, é.

Na aula seguinte outra aluna chegou e disse: professora, eu procurei Quadradix na Internet, mas só encontrei empresas e isso...

Pois.. É um bicho tão secreto e invulgar que nem a Internet o conhece! 

(Sorte a minha que inventei o nome certo para o bicho misterioso...)


Antes de todos os teoremas e demonstrações, a criança tem de amar a matemática, sentir-se segura, confortável ou perde-se para sempre deste mundo especial a que devia chamar seu com naturalidade, sem medo, sem aflição, sem ódio.

Tristeza por ver o que fizeram ao programa de matemática (que se diz não ter mudado...). Tristeza por ter 30 alunos numa sala com pouco tempo para todas as suas dificuldades. Há um limite para o "mau senso". Uma aula de matemática não pode ser uma palestra para 30 carinhas de quem mal ainda sei o nome, porque as turmas se acumulam assim enormes e o tempo que lhes podemos dedicar (com todas as outras exigências burocráticas) é cada vez menor.

Um dia...
Um dia o meu país vai acordar e as cicatrizes serão cada vez maiores e mais difíceis de sarar.

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