sábado, setembro 21, 2013

Princípio 3: ... antes de sermos alunos e professores, somos Pessoas (ai o Amor!)


Primeira aula (minha): Ele tinha feito um acordo com a diretora de turma e logo de seguida, comigo, a apresentação foi suave. Tudo correu bem.

Conversa de corredor 1 com a DT a contar-me algo (as Pessoas professores não deixam de pensar nas Pessoas alunos... nem nos intervalos): Vê lá tu que se recusou a trabalhar, a colega do lado a tentar ajudá-lo cheia de paciência e ele agressivamente a tratá-la mal, a recusar a ajuda e a perturbar sem fazer nada. Pedi que saísse um minutinho para irmos os dois conversar lá fora (não quis ralhar com ele à frente da turma, é mais crescido, está a repetir o ano... os outros são mais pequenos...). Conversámos, mas não correu lá muito bem. Ele disse que não queria saber se reprovava outra vez e estava zangado, revoltado... Vamos lá ver como vai ser daqui para a frente. Temos de conseguir agarrá-lo.


Segunda aula (minha): Propus um desafio matemático à turma. É um desafio que se destina a fazê-los compreender que as respostas imediatas a problemas, seguindo a nossa intuição, nem sempre são as corretas, por mais que a nossa mente nos afirme que sim. Chamei a esta nossa aula: "Nem sempre o que parece, é". Quando circulava pelos grupos, reparei que ele não estava a fazer nada. O caderno em cima da mesa não era o da disciplina, estava com ar zangado, metade do corpo escorregado para debaixo da mesa em atitude de recusa. A colega do lado tentava sem sucesso envolvê-lo e motivá-lo a trabalhar. Aproximei-me dos dois e também me disse que não queria saber, que o caderno de matemática estava em casa, que tanto lhe fazia, que não se importava que as coisas corressem mal outra vez este ano. Sempre baixinho, não liguei muito ao que disse e concentrei-me no problema desafiando-o olhos nos olhos: pensem lá... nisto e nisto e dei uma pista... E ele logo de seguida (distraído da sua revolta) deu uma primeira resposta correta, perguntando: é assim não é professora? Levantei a mão e pedi-lhe um "dá cá mais cinco" (sorriu e tocámos as nossas mãos) ... A colega do lado (que ainda não tinha pensado nesssa questão), excelente aluna, diz-lhe: hummmm, eu concordo com a tua resposta em parte, mas pensa lá nisto... o que achas? e sugeriu uma alteração na solução. Ele olhou para ela, sorriso aberto... Claro! (um dia escreverei aqui sobre este desafio/problema). Reforcei positivamente as descobertas de ambos, baixinho, junto deles, piscando o olho à menina, nossa cúmplice na recuperação do colega: Viste? Vocês resolveram o problema em conjunto e foram os primeiros a fazê-lo! É isto que eu quero para ti este ano. Tu consegues tudo e podes mudar... se quiseres e trabalhares para isso! Desistir é fácil... é só não fazer... mas decidir mudar, obriga a crescer, temos de nos tornar mais autónomos e responsáveis e trabalhar. Tens de ser tu a fazê-lo e nós ajudamos!
Circulei por entre os grupos ajudando aqui e ali, provocando, apoiando e no final da aula, deixei no quadro um desafio como TPC: E se ... ? (fiz uma extensão do problema, aumentando os elementos envolvidos). Tocou para a saída... passou por mim a sorrir e disse: Já fiz o TPC de cabeça e foi rápido. Acho que a resposta é esta... E disse-a.  (E tem razão... mas só lhe sorri e não disse nada para que todos tenham oportunidade de pensar até à próxima aula).

Conversa de corredor 2 com a DT:  Contei à diretora de turma toda esta história. E no dia seguinte foi ela que os teve...

Conversa de corredor 3 com a DT (dois dias depois): Anda cá, Teresa, tenho de te contar uma coisa. Pedi-lhe que ficasse no final da aula a conversar comigo só os dois e perguntei o que se passava. Por que razão na primeira aula estava tudo bem e na segunda se tinha recusado a trabalhar e tinha sido indelicado com a colega que o queria ajudar. Ele começou a chorar  e contou-me que estava apaixonado por uma menina há cinco anos (! ... ele tem 12) e que tinha reprovado e que ela estava já no sétimo e agora a encontrou no autocarro e ela nem lhe falou nem olhou para ele. Escutei-o com atenção, disse-lhe que o amor era mesmo assim... umas vezes corria bem outras vezes fazia sofrer e que um dia encontraria a pessoa certa. Até lhe dei uns conselhos amorosos para lidar com a menina. Tive de me controlar para não sorrir e dar a máxima importãncia ao seu desabafo e à sua experiência (des)amorosa - ignorar a menina muito convencida do seu amor eterno e trabalhar para rapidamente chegar ao 7.º ano. Disse-lhe que tu  (Teresa) havias ficado triste na aula de matemática quando ele também se recusou a trabalhar, mas que depois o tinhas elogiado imenso, que havias dito que ele tinha uma grande capacidade de raciocínio, que ficaste contente por ele ter conseguido concentrar-se e acertar o problema (empolei um bocadinho para reforçar positivamente a conquista desse dia). Ele secou as lágrimas e disse: eu até gosto de matemática! E eu lá lhe disse que sempre que ele precisasse, viesse falar comigo, mas que não podia ser assim desagradável para colegas e professores quando estava aborrecido por outras razões...

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Estamos sempre a pensar neles, a tentar resolver os seus problemas todos. Ai o Amor!

Só mesmo quem está distante, muda programas porque sim e quando calha (as crianças do 5.º ano vão ser obrigadas a comprar um segundo manual, porque o primeiro já não serve para as metas em implementação: é falso que tudo tenha ficado parecido), obriga as escolas a ficar com turmas enormes (como estas que tenho, em ano de exame, com 30 ou 29 alunos), se desfaz de professores e enche os restantes cada vez mais de afazeres estéreis,
é que se esquece de que são Pessoas esses entes-número que vivem pelas escolas. Professores e alunos cada vez mais encurralados numa escola que se quer barata e com menos qualidade, menos tempo, menos disponibilidade...
Esse desamor político e económico que nos olha apenas como coisas contabilizáveis, que ensinam e aprendem sem contratempos ou distrações, como se fossem máquinas sem sentimento, pode destruir a escola pública. Como se o tempo tivesse parado lá onde nasceram as pessoas que não conhecem a escola, mas têm muitas ideias (profundamente erradas) para fazer coisas nela, como se o tempo tivesse parado lá onde os meninos não eram iguais a estes meninos de agora.

Tão longe da verdade.



2 comentários:

Luisa Moreira disse...

Olá Teresa

Vou levar o texto para colocar no Mais Sucesso. Muito bom
bfs
luisa

Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada!
Abraço